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13 de novembro de 2008

Lisbon (short) Story - Vagueado por Lisboa

Foi também proposta a deambulação por edifícios e/ou lugares da Cidade de Lisboa. Após entender o percurso criativo do autor suíço, procurei reflectir sobre o conteúdo e valores dos mesmos. Este exercício de investigação e de reflexão teórica desertou a minha massa cinzenta para determinados pontos de vista, nomeadamente os defendidos por Zumthor. Pela leitura de Atmosferas, em nove capítulos percebi o processo de auto-observação de Peter Zumthor. Neste processo de observação, quer de lugares quer de edifícios, tenta-se descrever a atmosfera a partir de certos pontos ou temas. Os pontos que permitem essa observação são: a magia do real, o corpo da arquitectura, a consonância dos materiais, o som do espaço, a temperatura do espaço, as coisas que nos rodeiam, entre a serenidade e a sedução, a tensão entre interior e exterior, os degraus da intimidade, a luz sobre as coisas, a arquitectura como espaço envolvente, a harmonia e a forma bonita. De acordo com os princípios defendidos, Zumthor compõem os projectos com uma sensação de presença, bem-estar, harmonia e beleza próprias, manipulando as proporções e as texturas dos materiais, criando novos efeitos de luz. É tendo como base esta poética da arquitectura que vou descrever os lugares propostos a serem visitados.

Fundação Calouste Gulbenkian

A Fundação Calouste Gulbenkian desenhada em 1959, por Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy Jervis d'Athoughia fez-me lembrar a Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright. À imagem da Casa da Cascata, todo o complexo da Fundação se ancora no espaço envolvente. A arquitectura e a natureza complementam-se de tal modo que nem o jardim, nem o edifício seriam tão magníficos se estivessem separados um do outro. O espaço emana uma mágica tão forte que conforme desviamos um pouco mais o nosso olhar vemos uma paisagem completamente diferente. Toda a sua envolvente tem um carácter cenográfico muito forte e até os grandes vãos emolduram a paisagem.


Vista interior da Fundação Calouste Gulbenkian

O espaço interior escava-se por debaixo da terra criando ramificações que ancoram o edifício ao jardim. Apenas dentro do edifício é que temos a noção da sustentabilidade do projecto, uma vez que nos conseguimos aperceber de que as coberturas dos pisos inferiores à cota do terreno são ajardinadas. Essas coberturas mostram uma continuidade de diálogo com o espaço envolvente, dessa forma quase que é impossível avistar os limites da obra arquitectónica, não sabendo, desta perspectiva, onde acaba o edifício e onde começa o jardim. O seu interior de madeira e com o betão armado à vista, com a marcação das cofragens em madeira, unificam-se num só, ambos têm a mesma linguagem linear. Embora o betão seja um material mais bruto e por isso mais frio, o uso da madeira traz um acabamento que torna o espaço mais confortável, mais quente. O espaço é utilizado com biblioteca, centro de exposições e de conferências como tal, é um local de grande silêncio, o único som que podemos ouvir é o nosso ruído a caminhar pelo pavimento de madeira. O som da cidade não é, de todo, perceptível. O jardim, em volta de toda a zona edificada, serve como tampão dos barulhos ensurdecedores da cidade e mesmo no interior dele só se ouve a natureza, graças à sua densidade arbórea. Quando estamos na grande escadaria da Fundação Calouste Gulbenkian podemos admirar uma manifestação artística que reflecte a quebra entre o interior e o exterior.

Manifestação artística que reflecte a quebra entre o interior e o exterior

Todo o edificado, juntamente com o jardim, torna-se intemporal e são os dois, em conjunto, que podem reflectir serenidade e sedução. Ambos têm características atractivas diferentes e como tal complementam-se. Aqui a intimidade no interior do espaço não existe, a arquitectura de espaços amplos não deixa criar esse tipo de ambiente. Por sua vez, o jardim já cria esses ambientes, uma vez mais remata o edificado. Aqui a luz não tem um papel importante, sendo uma biblioteca, um centro de exposições e um centro de conferências, a Fundação utiliza abundantemente a luz artificial. Mesmo assim, pelo que pude notar, a luz que atravessa os grandes vãos compartimenta os espaços em ambientes mais claros e mais escuros, criando novas atmosferas. Todo o espaço é harmonioso, mostrando um cuidado espacial.


Envolvente exterior, jardim

Embora haja a arquitectura e jardim, o facto de os 2 terem uma relação simbiótica torna a Fundação um espaço para além de apelativo, um lugar belo. Embora seja um lugar de exposições e concertos não tive o prazer de o usufruir dessa maneira, guardo essa oportunidade para uma outra visita.

Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1962-1970), de Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas, Vasco Lobo, Vítor Figueiredo, senti o mesmo que sinto quando entro numa igreja gótica. Ambas apresentam o mesmo cuidado em relação à altura. A igreja do Sagrado Coração de Jesus, com o seu pé direito alto, torna qualquer pessoa ainda mais pequena. A sua imponência só desaparece com massa humana nas celebrações. O efeito da luz nas paredes robustas de betão e tijolo completamente despidas de decoração faz lembrar a brutalidade da pedra vivida na escala das grandes catedrais góticas. Embora não se queira associar a iluminação com uma metáfora ao paraíso, as aberturas de luz são feitas por meio de vitrais apenas em pontos estratégicos, identificando pontos de importância programática, como por exemplo a entrada e o altar.

Vista exterior da igreja do Sagrado Coração de Jesus

No piso inferior em relação à nave da igreja vive-se um ambiente religioso muito particular. Nessa zona a luz é escassa, todo o corredor é interrompido por pequenos e modestos altares. Estes apresentam uma iluminação artificial, a qual apresenta uma tonalidade quente, que é propícia ao culto. O ambiente de paz vivido neste piso inferior, com uma escala bastante reduzida, proporciona um lugar confortável que apela à devoção. Em contraste ao andar de cima, no piso inferior, existe intimidade, o exterior nem se sente, desse modo as pessoas não são afectadas pelo barulho da rua. Todo o ambiente é bastante silencioso. A ligação entre interior e exterior nem sequer existe. Não há intenção nenhuma na comunicação da igreja para o exterior.



Altares do piso inferior

Esta separação é também visível quer seja pela materialização quer pela forma irreverente que não se identifica com nada da envolvente. A estrutura da igreja pareceu ter uma forma demasiado rebuscada, pelo que se torna pouco familiar e estranha. Por esse facto, a igreja não apresenta uma harmonia, não tem uma linguagem propriamente fluida, apenas se impõe. Posso dizer que foi o local que menos gostei e que a ideia que tinha mudou completamente. Apenas apreciei o efeito dado à luz quer no altar da nave, quer nos altares do piso inferior.



Interior da igreja do Sagrado Coração de Jesus

Casa do Alentejo

A Casa do Alentejo foi um dos espaços que mais me surpreendeu. A sua decoração interior é mágica, remete-nos para diferentes ambientes, numa panóplia de cores e texturas que correspondem a diversos materiais. Essa magia deve-se ao facto de em tempos ter sido o 1º casino da capital – O Magestic Club.

Pode-se dizer que a Casa do Alentejo foi um corpo arquitectónico em constante mudança, já foi palácio, já foi casino e agora é uma associação. É essa uma das razões pela qual o alçado adjacente à rua, integrado perfeitamente na envolvente, não se identificar com nada do que podemos deslumbrar no interior. Após ter subido umas escadas, que quase me enclausuravam com a falta de pé direito, entrei um átrio com uma decoração que lembra Marrocos. Esse átrio, antigamente seria possivelmente aberto, está agora fechado por uma estrutura que funciona como clarabóia, iluminando todas as salas a volta do átrio.




Átrio da Casa do Alentejo

Subi mais um piso e descobri a sala dos espelhos, a sala dos descobrimentos e a sala que corresponde ao restaurante típico do Alentejo. Nesse trajecto nunca deixei de ver azulejos nas paredes, embora fossem tratados de maneiras diferentes, mudando consoante a temática da sala. Só mesmo a sala dos espelhos e que estava liberta da cor dos azulejos. A temperatura do espaço, emanava calor. Era um espaço tão vivido que era impossível estar num lugar silencioso. Embora fosse um lugar com pés direitos razoáveis, ou seja, com um ambiente acolhedor, tratava-se de um lugar público pelo que era difícil atingir algum grau de intimidade. A única intimidade que se pode falar é em relação ao exterior. O edifício envolve-se tanto em torno de si próprio que nem sequer tem o cuidado de comunicar mais com o exterior. A sedução é tanta no interior que não há razões para a comunicação, a decoração efusiva capta-nos desde o inicio e não deixa desviar atenção. Pontualmente, a luz tem um papel decorativo e funcional, repare-se no átrio e no vitral das escadas.



Escadaria da entrada (em cima) e escadaria de acesso ao piso superior (em baixo)

Nos dois casos, a luz tanto funciona para iluminar como apoio à decoração. Sendo esta contrastante não transmite nem serenidade nem harmonia, no entanto, o conjunto ou a individualização dos espaços da Casa do Alentejo não deixam de ter a sua beleza.

Igreja de S. Domingos

A igreja de S. Domingos foi um dos espaços mais belos que visitei. Destaca-se bastante da volumetria que envolve o largo de S. Domingos. O corpo arquitectónico tem identidade própria assim como marca um período histórico que data de 1241. No entanto, devido ao azar do tempo, sofreu contra-tempos, tendo sido reconstruída pelo menos 2 vezes, mesmo assim mantém a sua identidade. Sofreu com o grande terramoto de 1755 e também com o incêndio de 1959, neste último, a sua cobertura em madeira foi queimada. Após a reconstrução, as características típicas de um edifício que sofre um incêndio ainda estão muito presentes nos nossos dias. A sua cobertura de cor rosa-velho lembra uma das diferentes tonalidades do pôr-do-sol. A sua cor quente contrasta com o negro queimado das paredes da igreja. Esse contraste entre parte nova e antiga resulta sem dúvida graças à cor. O negro, o sujo, o mundo na terra representado pelas paredes queimadas contrasta com o céu, o paraíso, o mundo divino representado pela cobertura. A luz também tem um papel importante nesse contraste. O facto de a igreja estar encostada a outras construções, não tem vãos na zona mais perto do chão, apenas a zona mais perto da cobertura é que se mantém aberta ainda que, só de um dos lados. Deste modo, cria-se uma faixa de luz muito tímida que reforça o contraste e está em consonância com os materiais, contribui em muito para a diferença de temperaturas do espaço. Esta igreja tem um pé direito muito mais alto que a igreja do Sagrado Coração de Jesus. Essa altura, para mim, para além de criar um espaço amplo e monumental dá intimidade a quem a procura. Como se o facto de a altura ser tão exagerada que qualquer pessoa se sente pequena e isolada. A acção do Homem àquela escala não é perceptível.




Exterior e interior da igreja de S. Domingos

O espaço tem uma ausência de som, própria dos locais de culto. Toda esta atmosfera seduz pelo seu contraste e causa uma certa ambiguidade. É essa ambiguidade que a torna tão atraente e tão bela para mim. O facto de ser pouco ou nada cuidada em relação às suas paredes queimadas e ruídas, faz com que se destaque mais o brilho da folha de ouro dos altares e da estatuária. É sem dúvida uma igreja de contrastes complexos e é isso que a torna tão bonita.

Escola Secundária de Benfica

A Escola Secundária de Benfica, construída em 1978, foi o primeiro sítio que visitei e graças à prontidão da minha visita ainda pude entrar no recinto e apreciar todas as volumetrias dessa escola desenhada por Hestnes Ferreira. É um exemplo de construção modular feita a partir de elementos pré-fabricados de betão. À imagem de todas as escolas públicas existe um orçamento reduzido para a construção deste exemplar. Por essa razão acho que o espaço interior não é tão interessante como exterior, excepto as ligações verticais feitas pelas escadas em caracol. A sua implantação cria um labirinto rico em espaços pontualmente diferentes. Até mesmo o corredor coberto exterior que une todos os volumes dá uma sensação de continuidade. Embora a escola tenha 5 volumes estes mantém a mesma linguagem, funcionam como um todo. Os volumes são separados por corredores em escada que acompanham a subida do terreno. Essa separação não é muito visível, contribuindo para a sensação que todos os volumes são importantes, que nenhum funciona sozinho. Como já visitei a escola perto das 7 da tarde, não consegui ouvir o som que seria de esperar. No entanto, era fácil de imaginar a partir do tipo de vivencias que são comuns a qualquer outra escola. Então imagino que o som desta escola seria muito inconstante, uma vez que há horas de silêncio e horas de barulho, tempo de estudo e tempo de lazer. O espaço sendo quente o suficiente e com as ligações ao exterior controladas mantém um sentimento de disciplina, isto é, não propicia a momentos de distracção, nomeadamente nas aulas.



(de cima para baixo) escadaria exterior que separa os cinco volumes, peça pré-fabricada de betão, corredor coberto posterior aos volumes

A arquitectura impõem-se em relação à envolvente e cria uma certa tensão entre interior e exterior. Trata-se de um equipamento destinado à comunidade, por isso não é propenso a espaços intimistas, no entanto, já no exterior, podemos encontrar muitos recantos. Estes recantos seduzem pela sua sensação de conforto. Aqui também a luz tem um papel essencialmente funcional, serve apenas como iluminação. Pelo que já conhecia da escola, gostava de vivenciar o impacto das clarabóias na iluminação das escadarias, mas foi-me impedido pela falta de autorização. Embora seja um volume que se impõe na envolvente e tenha um ar um pouco frio causado pela monumentalidade exacerbada, a Escola Secundária de Benfica, no panorama nacional, é uma das mais bonitas. Tem uma harmonia linguística que une imperturbavelmente todo o programa funcional. Perto desta escola deslumbra-se a Escola Superior de Comunicação Social de Carrilho da Graça. Vencedora do prémio Secil em 1994, destaco uma característica particular após a ter visitado a propósito do VII ESCSITO (festival da escola). Essa característica é a escadaria exterior que dá para lado nenhum. Para além de me ter perguntado para que serviria a escadaria perguntei aos alunos da escola que me responderam sem hesitar: é a escadaria do suicídio. Não sei se foi um acto arquitectónico irónico de Carrilho da Graça, no entanto a explicação faz sentido. Quem se sentir desgostoso por causa das notas pode sempre acabar com o seu sofrimento… Mais tarde vim-me a aperceber que afinal era o tecto do bar.

Hotel Ritz

O Hotel Ritz, desenhado por Pardal Monteiro em 1952, apresenta um volume paralelepipédico imponente. É visível em alçado a modelação dos quartos. É um edifício claramente moderno e apresenta um programa complexo para a altura em que foi construído. Apresenta alguns relevos interessantes na fachada que me remeteram imediatamente para os relevos usados nas construções das unidades habitacionais de Le Corbusier, embora sejam completamente diferentes. Estes relevos parecem-se mais com os relevos clássicos dos revivalismos arquitectónicos. Mas até a própria volumetria lembra uma vez mais essas unidades de habitação. A decoração dos espaços públicos merece referência por demonstrar uma luxúria sóbria. Em relação a este local não me posso alongar muito mais uma vez que não tive a oportunidade de entrar, pois tratou-se do último local que visitei. Pela pesquisa feita no Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa pude aceder a fotografia da época. A partir dessas imagens vi que o hotel se destacava da rotunda do Marquês de Pombal, embora hoje já se tenha perdido esse efeito.




A imponência do Hotel Ritz na envolvente no século passado, fonte: Arquivo Municipal de Lisboa

A sua atmosfera é a típica de um hotel. O seu interior revela um confortável requinte, típico da cadeia de hotéis da Four Seasons Hotel. Mesmo tendo sido uma aquisição posterior, a sua decoração sempre revelou um apuro principesco devido à escolha de materiais direccionados para a decoração. É esse cuidado que torna tão atractivo (e dispendioso) uma estadia neste hotel. Aqui não existe a relação com o exterior, o hotel tem tudo, tem uma oferta tão vasta que nem é preciso abandoná-lo. Os degraus de intimidade estão bem assegurados como em qualquer hotel comum e a importância da luz só se faz sentir nos candeeiros que apoiam a atmosfera dos ambientes. A característica que melhor mostra a sua separação entre o interior e o exterior e a privacidade é o ginásio. Situado no topo no hotel, o utilizador deste pode praticar o seu jogging matinal sem sair de “casa”, aproveitando na mesma o melhor que a paisagem lisboeta tem para oferecer. O hotel garante o conforto e a privacidade a todos os que procuram um local para passar a noite (ou porque não? O dia).

Pastelaria Mexicana

A pastelaria Mexicana, desenhada em 1962 por de Jorge Chaves, não promove continuidade da linguagem de espaço. Talvez por ter sofrido sucessivas remodelações em prol da modernização. Mesmo assim, a zona mais interessante e que merece ser destacada é a sala mais afastada do local de entrada. Os painéis em azulejo remetem-me para uma realidade surrealista e a parede oposta, feita por sobreposição de tijolos de madeira cor de cerejeira lembra-me a maqueta de grande escala da paisagem poética. A única fonte de luz da sala é a pseudo-gaiola para pássaros, supostamente aberta ao exterior, sendo a única ligação para além da entrada. Como o interior não é uno, muito menos o corpo arquitectural. A materialidade não é unívoca, no entanto, este espaço não deixa de ser confortável e com confecções de grande qualidade, se não o fosse nem sequer tinha clientes. A sala mais recôndita é a mais interessante. No entanto, pelo seu posicionamento, nem sequer pode funcionar com um pólo de atracção. Sinceramente a sedução é feita só pela oferta dos produtos de pastelaria.



Pormenor dos tijolos desencontrados e do painel em azulejo da parede da sala posterior com a pseudo-gaiola

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